Quando eu era criança, tinha medo
do escuro. Não enxergar me apavorava. Eu cresci e continuo a nutrir o mesmo
medo. Todavia, o escuro que hoje me apavora é o do coração dos seres humanos. O
que estremece meu corpo e alma é a sua falta de visão.
Eu tenho medo do caminho que,
como sociedade, estamos trilhando: naturalizamos o preconceito em nossa fala e
em nossas atitudes; ignoramos a dor histórica de diferentes grupos;
menosprezamos a luta de outros; elegemos a intolerância; saudamos a má fé;
enxergamos nossas crianças como futuro e, por puro descuido, perdemos seu
presente; sonhamos com a paz individual e compactuamos com a guerra, caso essa
seja necessária para afastar de nós a miséria alheia.
Eu tenho medo. Contudo, tenho
esperança.
Eu tenha esperança porque
brinquei de boneca com alguém que, ainda hoje, sonha em construir um mundo
melhor¹. Eu tenho esperança, porque conversei com alguém que disse: eu chorei
quando uma candidatura ameaçou o direito das crianças pobres. Eu tenho
esperança, porque vejo o brilho nos olhos de pessoas que lutam por uma educação
pública e de qualidade. Eu tenho esperança, porque um desconhecido pagou o
medicamento caríssimo de uma criança com câncer². Eu tenho esperança, porque há pessoas que
buscam uma plena democracia e, por isso, levantam bandeiras de respeito,
cidadania e inclusão.
Eu tenho esperança, porque tenho
medo.
O medo me deixa alerta.
A esperança faz-me lutar.
Assim, cá estou eu, tentando,
todos os dias, espantar os que me rodeiam. Para espantá-los, posiciono-me em
relação à política partidária e entrego-me as causas sociais; insisto em
discutir sobre o direito à humanização em todas as esferas da sociedade e
estudo para não reproduzir uma educação bancária³, que apenas ensina a
submissão; questiono os movimentos religiosos que prosperam sobre a miséria de
muitos; vivo o amor como uma ação, a qual, como define Elisabeth Elliot, nunca
constrange, apenas atrai.
Um dia ditaram os sonhos que eu
poderia ter, porque sabiam que eu tinha medo.
Esqueceram, no entanto, que o
mesmo nó que à vida dilacera, é o que regenera a minha esperança4.
Mantenho a fé.
¹ Ela fala de suas esperanças lá
seu pomar: http://saboresdepomar.blogspot.com.br/;
² Pessoas incríveis têm se
mobilizado e cooperado com o tratamento de crianças com leucemia, você pode
saber muito mais nas páginas do Facebook da Fundação Pró-Hemorio e Amigos do
Hemorio;
³ Termo que o educador e filósofo,
Paulo Freire, usa para definir uma educação conteudista, que de nada serve para
a vida do educando.
4 Em referência à
música “Impasse” do grupo 5 a seco
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