sábado, 19 de dezembro de 2015

A mulher e o cinema

Apesar do dia excessivamente quente e do risco que corria de ser chamada de “poser”, por não ter assistido aos filmes anteriores ou lido os livros sobre o universo, fui ver Star Wars no cinema. Confesso que fui mais como companhia de um irmão fã que pela curiosidade de uma leiga, sorte a minha ter aceito o convite: foram cerca de duas horas e meia de filme e diversas reflexões.

Eu sabia o básico sobre a série: personagens principais, seus respectivos lados na força, algumas de suas características e importância no filme. Sabia, também, que o filme teria referências aos anteriores, mas que não seria essencialmente uma continuação. Sabia que novos personagens apareceriam. O básico para não cutucar o fã ao lado. Só não sabia que uma personagem seria marcante ao ponto de me fazer sentar e escrever sobre ela. Ou, na verdade, sobre como ela se parece com tantas outras mulheres.

Rey era órfã e vivia no seu planeta como uma catadora de lixo. Como diz minha mãe, vendia o almoço para pagar a janta. Teve que aprender a se virar sozinha: conseguir a própria comida, defender-se, curar-se e cuidar-se. Aí, talvez, pensando em como os filmes normalmente representam as mulheres, você pergunte: isso tudo sem homem? Não, teve homem sim.  Mas ela não precisava que ele segurasse sua mão ou que a salvasse.

Por que, exatamente, eu gostei da Rey? Ela poderia ser eu ou você: uma mulher comum. Ora, quantas vezes mesmo você teve um homem para segurar sua mão enquanto andava rápido, com medo de um cara que a assediava?  Ou quantas vezes um homem - alto, moreno e charmoso - apareceu no meio da noite, enquanto você andava apressada, para segurar  sua mão e levá-la em segurança até sua casa? Provavelmente nunca. Pois é. A gente encara a vida mais sem os homens que com eles, principalmente, quando encaramos o machismo de muitos; nesses casos, temos apenas umas as outras. E olhe lá.
Repito, Rey foge totalmente do estereótipo cinematográfico feminino, da mocinha em apuros (padrão que, aliás, a Disney ajudou a disseminar e fez esse trabalho muito bem feito). No caso de Rey, ela é só uma garota vivendo a própria vida com coragem e arriscando-a quando necessário.

E, afinal, não é isso que a gente faz o tempo todo?

Rey e sua força fizeram-me pensar: refletir sobre a força que não apenas tiraram de nós, mulheres, nos cinemas, mas na vida. Obrigaram-nos a lutar (porque em um mundo machista, não resta outra coisa  a não ser a luta) e ainda nos chamam de fracas e, por vezes, incapazes. Diminuem nossas batalhas e vitórias. Acham que podem nos submeter ao lugar que quiserem, esquecendo-se que o nosso lugar e papel – tímido ou exuberante, cobrindo-se ou expondo-se, sendo isso ou aquilo – são todos os que quisermos e escolhermos.

Preste atenção, a nossa questão não é dizer que os homens não prestam, de forma generalizante, e que devem ser exterminados.  Porém, dizer que nos viramos sozinhas o tempo todo, então, vocês podem se libertar dessas poses de valentões: não precisamos que nos salvem. Queremos que nos respeitem e entendam que nossas escolhas independem de suas vontades: não precisamos que falem por nós; então, parem de sufocar nossas palavras.

A minha questão, neste texto, é respirar aliviada porque um padrão, ao menos em um filme de grande circulação, foi quebrado. É ficar contente de não passar duas horas sentada, tendo que engolir um tipo de protagonista que não tem nada a ver com que a maior parte das mulheres é (ou todas, se pensarmos que muitas de nós apenas assumem um papel que lhes foi ensinado ou imposto, sem reais escolhas).

Minha questão é comemorar.

CO-ME-MO-RAR mesmo: ufa, um passo a mais. Está valendo a caminhada.

Triste mesmo foi só ouvir comentários (inclusive de mulheres) de como a personagem era “feminazi”.

Respirei fundo: um paradigma por vez.

Vamos lá.

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