Na última roda¹, se não me
engano, uma professora leu uma crônica, da Martha Medeiros, cujo título usei
nesta reflexão: “Poesia numa hora dessa?”. Eu, que nunca entendi bem essa coisa
de dividir a vida entre dias úteis e inúteis, em hora de poesia e horas de poxa
vida, peguei-me com tal questão: poesia numa hora dessa?
Indaguei-me, aflita, depois de
recusas e desprezos; após tantos negarem, velada ou explicitamente, entrar na
roda. Questionei-me diante de tanta ausência, diante desse silêncio que grita
em favor do descaso: poesia numa hora dessa? Poesia como luta e afirmação de
direitos? Será mesmo um caminho possível e plausível? Será?
Pois bem, não digo que minha
resposta aos silêncios e aos gritos, às presenças e às ausências, seja a melhor
e que irá convencer você de minhas crenças num Rio de Janeiro mais justo, num
Brasil de equidade, que começa com a qualidade da educação pública. Apenas tomo
este espaço, que é nosso, do povo, para dizer-lhes a boniteza de meus
silêncios, para lhes despertar diante das lutas de meus lamentos. A minha
resposta é simples, tão simples que não é minha. Tão de outros² que é singular:
poesia numa hora dessa sim, companheiro.
Poesia numa hora dessa para não
sermos os hipócritas de Quintana: os democratas escravocratas. Poesia para
sermos o menino de Barros, que encontra apreço no encantamento e não precisa,
necessariamente, fazer de razão. Poesia para sermos Conceição e enxergarmos
nossos privilégios pelos olhos d'água de uma mãe e desconstruirmos as mazelas
preconceituosas de nossa existência. Poesia porque aqui bem perto, na Mangueira,
há uma pichação que diz: somos seres humanos. E que desgoverno é esse, que
pessoas, em especial os pobres, precisam anunciar sua humanidade para que a
vejam? Poesia para a menina que prefere ser a pior princesa do mundo a ser a
mulher que impõem a ela. Poesia para sermos Jeremias e mandarmos os monstros
que criamos embora; poesia para sermos Rocha, a Ruth, e não prendermos o rabo
em falcatruas, nem elegermos quem o tenha preso em contas na Suíça. Poesia pra
dizer que não queremos golpe, mas que queremos solução; que não queremos
assistencialismo barato, mas queremos o HUPE tão bem equipado quanto seu
vizinho, o Maraca; com seus profissionais tão valorizados quanto os
protagonistas de um clássico entre Vasco e Flamengo. Poesia para lermos nossas
angústias, para percebermos nossos erros, para celebrarmos nossos acertos, para
nos unirmos na luta por um futuro outro. Poesia para sermos, estarmos,
prosseguirmos e resistirmos. Poesia pra quê? Pra sermos Galeano e, vendo o
horizonte se afastar, continuar caminhando.
E que a poesia se transforme em
manifestos, em atos de solidariedade, em empatia por outros, sempre tão
diferentes de nós; que a poesia nos transporte de nossa própria existência,
transporte medíocres à revolução; covardes à esperança; moralistas à humildade.
Que a poesia nos carregue, nos evolva, nos molde, faça-nos gente, faça-nos
revolucionários; pois, parodiando uma frase que, infelizmente, desconheço o
autor, afirmo: a revolução será em versos ou não será.
¹Roda de leituras e contação de
histórias que ocorre na UERJ toda segunda, 10h30, durante a GREVE.
²No decorrer do texto são usadas
referências de poesias e livros lidos na roda.
Lindo texto, Mariane!
ResponderExcluirParabéns!