Era uma vez um homem que vivia na
Cidade do Caos. A cidade havia assim ficado conhecida após muitos eventos; em
alguns, as pessoas até pareciam felizes e pintavam seus rostos em comemoração a
jogos e prêmios, porém, havia outras coisas. As outras coisas eram sempre mal
ditas, ditas entre os dentes e sussurradas; as promessas eram sempre de vento.
Vento falso, daquele que nem o cabelo faz balançar.
O homem da cidade do Caos sabia
que o problema não havia começado com os eventos, mas com a ganância. Ganância
que ele havia visto nos olhos de homens de azul, que vieram logo depois dos
homens de uniforme, com sangue nas mãos. Contudo, como todo mundo odeia a
ganância dita na cara, os homens de azul a escondiam em suas maletas e paletós.
Escondiam ganância, também, em suas barbas sempre bem feitas, que era para não
serem confundidos com os homens da cor de fogo. Eles fingiam esconder sua sede
pelo poder, e as pessoas, da cidade que ainda era uma maravilha, fingiam
acreditar; afinal, já estavam acostumadas.
Todos os dias, diante do espelho, os habitantes da cidade escondiam suas
mazelas pelos bolsos ou debaixo do chapéu, pra ninguém notar. E mesmo assim,
todo mundo notava.
O homem da cidade do Caos não
tirava o chapéu, item comumente usado em sua cidade. Sua escolha, porém, não tinha
a ver com o medo das mazelas expostas; ele sabia que tinha uma coleção delas,
no entanto, tinha a humildade de mostrá-las e, pouco a pouco, ia deixando algumas pelo caminho, enquanto se constituía gente. O homem não tirava seu
chapéu por um motivo singular: tirar o chapéu desumanizava. Vejam bem, – ele
dizia aos bêbedos que pareciam os únicos a escutá-lo – quem lhes ensinou a
tirar o chapéu? Os bêbedos, que às vezes pareciam sábios, respondiam: Os azuis
em comício.
Sim, os homens azuis haviam
ensinado à população a tirar seus chapéus, a situação para retirada era bem
específica: se nos perceber devorando a humanidade de alguém, tire o chapéu. Ao ato, podiam-se usar algumas
palavras ou expressões como “parabéns”, “empenhado”, “sua parte” ou,
simplesmente, anunciar: para você eu tiro o chapéu.
Como a cidade era um caos, havia
chapéus sendo tirados para todos os lados.
Chamaram-no de cor de burro
fugido e você ficou calado, sem mimimi? Chapéu tirado. Dividiram seu arroz em
suaves porções de 4 grãos? Chapéu tirado, pelo menos você está fazendo sua
parte. Continuou a girar a manivela e a apertar o parafuso da máquina, mesmo
chorando silêncios? Mesmo sem pote de ouro depois do arco-íris? Chapéu tirado,
como você é empenhado!!!
A cada chapéu tirado, um pouco de
humanidade perdida. A cada chapéu tirado, os homens azuis mais 4 anos
permaneciam a encher a mala; em alguns casos, conta-se, havia tanto a esconder
que até a cueca servia de esconderijo.
O homem de chapéu, porém, recusava-se: dalí o acessório não sairia, a humanidade de ninguém ajudaria a tirar um pouco
mais. Usou o chapéu nos dias mais caóticos da cidade do Caos e, pouco a pouco,
convenceu seu povo de que os chapéus não deveriam ser retirados para
companheiro algum. Os chapéus ficariam na cabeça, a dignidade em suas vidas, a
humanidade em seus modos de sentir o outro...
E os azuis? E suas ordens?
Eles que se preparassem.
– Lá vem o povo do chapéu!
Gritou alguém da janela.
O chapéu não mais saiu. Nem os
sapatos dos pés.
Dedos, pés, alma, corpo... Todos caminham juntos para a revolução
de suas próprias humanidades.