Conta-se, num lugar perdido entre
as estações dos sonhos, que existiu uma menina do tamanho do mundo; nela,
diziam, moravam passarinhos feitos de memórias. Lembrava-se de tudo a tal
moleca, até do que não havia acontecido; suas lembranças tinham gosto de
saudade e suas palavras eram capazes de fazer flor nascer de canhão.
Um dia, enquanto andava em nuvens,
esbarrou em um pequeno homem de neblina; se fosse qualquer um, nem repararia,
mas a menina do tamanho do mundo sentia qualquer resquício de humanidade
existente, o menor que fosse, em tudo que não via. As pessoas chamavam-na
louca: como crer naquilo que ninguém enxerga? “Não vejo, mas há”, dizia ela,
sempre a repetir: “as coisas que não existem são mais bonitas”¹. E eram,
contam.
Começou, então, todos os dias, a
andar por aquelas mesmas nuvens, esperando sentir a imperceptível neblina que
ninguém percebia homem. Estranho, diziam, mas a neblina parecia ganhar forma
dentro da menina do tamanho do mundo; primeiro braços, depois sonhos,
seguiram-se pernas e asas, esperanças e olhos. Se eu não visse com meus
próprios olhos, balbuciava o poeta, não acreditaria em tamanho coração. Outros
milagres sucederam aquele: flores em lugar de tripas e sorrisos em lugar de pele.
O homem era todo boca e só ternuras saíam de si.
O problema ocorreu alguns anos
depois, foi devagar, pouco se notou no andar dos dias, porém, a menina estava
encolhendo: isso era fato. A neblina de homem tão encantado estava com os pássaros
que dentro dela habitavam que, sem perceber, os roubou; com os pássaros voaram
as lembranças. Só a saudade restou.
Dizem os sábios do lugar perdido que esta versão
da história é para os tolos; dizem eles que não foi a menina que encolheu, mas
o mundo da neblina feita homem que ficou pequeno para alguém tão grande... Do
tamanho dos sonhos.
¹ Autoria do poeta menino: Manoel de Barros