quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A menina do tamanho do mundo

Conta-se, num lugar perdido entre as estações dos sonhos, que existiu uma menina do tamanho do mundo; nela, diziam, moravam passarinhos feitos de memórias. Lembrava-se de tudo a tal moleca, até do que não havia acontecido; suas lembranças tinham gosto de saudade e suas palavras eram capazes de fazer flor nascer de canhão.

Um dia, enquanto andava em nuvens, esbarrou em um pequeno homem de neblina; se fosse qualquer um, nem repararia, mas a menina do tamanho do mundo sentia qualquer resquício de humanidade existente, o menor que fosse, em tudo que não via. As pessoas chamavam-na louca: como crer naquilo que ninguém enxerga? “Não vejo, mas há”, dizia ela, sempre a repetir: “as coisas que não existem são mais bonitas”¹. E eram, contam.

Começou, então, todos os dias, a andar por aquelas mesmas nuvens, esperando sentir a imperceptível neblina que ninguém percebia homem. Estranho, diziam, mas a neblina parecia ganhar forma dentro da menina do tamanho do mundo; primeiro braços, depois sonhos, seguiram-se pernas e asas, esperanças e olhos. Se eu não visse com meus próprios olhos, balbuciava o poeta, não acreditaria em tamanho coração. Outros milagres sucederam aquele: flores em lugar de tripas e sorrisos em lugar de pele. O homem era todo boca e só ternuras saíam de si.

O problema ocorreu alguns anos depois, foi devagar, pouco se notou no andar dos dias, porém, a menina estava encolhendo: isso era fato. A neblina de homem tão encantado estava com os pássaros que dentro dela habitavam que, sem perceber, os roubou; com os pássaros voaram as lembranças. Só a saudade restou.

Dizem os sábios do lugar perdido que esta versão da história é para os tolos; dizem eles que não foi a menina que encolheu, mas o mundo da neblina feita homem que ficou pequeno para alguém tão grande... Do tamanho dos sonhos. 


¹ Autoria do poeta menino: Manoel de Barros